- já mal consigo destrinçar as imagens por entre as sombras -
não irei demorar a deixar-me seduzir pelo seu abraço.
A ilusão estilhaça-se em fragmentos aguçados que trespassam a minha pele.
Não sou mais que um contorno humano,
um esboço numa folha de papel que tento desesperadamente preencher.
Desenho um sorriso, brinco com as expressões do meu rosto,
apago e refaço, retoco e desfaço.
Vezes sem conta procuro retratar a minha alma, insisto e persisto
até o esquisso se tornar uma mera nódoa negra.
É aí que me reconheço.
Dispo-me do surrealismo fantasioso que me inebriou e deixo a morte tingir o meu sangue,
percorrer as minhas veias, envenenar-me lentamente.
Submerjo ao suave embalar da corrente,
flutuo sobre o mar de que sou feita, e fico à deriva em mim mesma,
fecho os olhos, um sorriso, estou em paz.
Mas a maré nunca é estática.
De todos os lados se erguem vultos, demónios nascem sob as águas
- ou será que sempre estiveram lá?
À espera de me apanhar num momento de segurança,
a preparar o terreno, a criar a armadilha?
- Remexem sob o solo, revolvem sob o oceano que segura a minha alma,
gritam no meu ouvido, atravessam o meu corpo, procuram o meu ser, imploram-me que o ceda,
resisto, enfrento-os, grito, luto,
e à medida que a minha força se consome, os seus gritos tornam-se mel nos meus ouvidos...
(Trust me. There's no need to fear, everyone's here...
Waiting for you to finally be one of us.
Come now, I'll be there when you need me,
You'll be safe here...)
Não é dor. Não é depressão. É tortura. É agonia.
Moribunda, sirvo-me do meu último fôlego para agarrar a caneta, pouso-a sobre o papel, regozijo-me com os aplausos,
Observo o escárnio alegre das suas faces distorcidas enquanto me preparo para assinar a minha condenação,
E de repente, desperta uma ponta de malícia no meu olhar,
uma injecção de adrenalina directa no coração, um sabor de rebeldia,
E rasgo o papel, vejo-os convergirem para o vazio num uivo uníssono,
e volto a enxergar a realidade, a sentir-me parte dela,
a pertencer no universo material.
Pego noutro papel, que é de novo um só papel, e começo a desenhar um novo retrato.