'' Por vezes perco a noção de me estar a mover, por ser tão grande o hábito, e dou por mim num lugar onde não estava sem me recordar como lá cheguei. Assim, encontrei-me de joelhos sobre o edredão, com os ombros caídos e o longo rol de cabelos caídos para a frente, como um fio de prumo diante de mim, fitando a fina pele da minha coxa que a saia me mostrava, mas sem a ver verdadeiramente. Estava numa espécie de transe. Não notava sequer a minha respiração, mas calculei que lá estivesse.
Escavei por entre as minhas memórias, passei por sítios por onde não tinha presente a recordação de algum dia ter passado, arrumei o entulho para o lado e mergulhei mais fundo. Fui me aproximando cada vez mais do escuro. Desenterrei tudo o que me fez, em busca de algo que se tornou num instante mais importante que a própria vida. Subitamente… Parei. Olhei em volta. Escuro. Um túnel negro para dentro de mim, onde nada estava que me alimentasse. Ergui o rosto. Vi-me a mim mesma, desde baixo, com o cabelo ainda perfeitamente perpendicular ao rosto. A outra eu… A eu que abandonara para encontrar algo imaterial, algo que estava dentro dela, algo que não sabia o que era, apenas que precisava! Há muito tempo que não sentia nada de tão intenso. A própria dor perdera há muito essa propriedade.
Desfizera-me em duas, e uma terceira nascia observando essa dualidade. Uma terceira que vislumbrava então a premência das diferenças entre os seus dois clones. A pequena e a grande, a activa e a passiva, a louca e a serena. E era essa terceira quem vinha contar a cada uma de nós o que a outra estava a pensar. Era essa sombra vaga o elo de ligação entre os meus dois pólos. E aquela que eu via estava com a mente em branco, e a que a olhava incorporava seu pensamento. Eu era toda pensamento nesse momento. Olhava a minha parte física, com o olhar parado no túnel em que me encontrava, deixando na minha mão todo o seu destino. Um destino que naquele momento se resumia à busca pela parte que lhe faltava.
Da sombra ecoou uma voz que me trouxe a razão pela qual interrompi essa mesma busca: “Desenterrei tudo o que me fez, em busca de algo que se tornou num instante mais importante que a própria vida.”
Caiu sobre mim o facto de desconhecer completamente a proveniência da importância fulminante que adquirira esse desejo repentino. Não me afectou muito, contudo. Haviam coisas que não tinham sido feitas para serem compreendidas. Coisas como aquela. De alguma forma sabia, dentro de mim, que tinha de o fazer. Algo demasiadamente forte me impelia a isso. Guardava a esperança de que eventualmente me fosse revelada a razão. E mesmo que não fosse, pressentia que o resultado fosse esplendoroso por si só e fizesse com que toda essa busca valesse a pena. ''
Escavei por entre as minhas memórias, passei por sítios por onde não tinha presente a recordação de algum dia ter passado, arrumei o entulho para o lado e mergulhei mais fundo. Fui me aproximando cada vez mais do escuro. Desenterrei tudo o que me fez, em busca de algo que se tornou num instante mais importante que a própria vida. Subitamente… Parei. Olhei em volta. Escuro. Um túnel negro para dentro de mim, onde nada estava que me alimentasse. Ergui o rosto. Vi-me a mim mesma, desde baixo, com o cabelo ainda perfeitamente perpendicular ao rosto. A outra eu… A eu que abandonara para encontrar algo imaterial, algo que estava dentro dela, algo que não sabia o que era, apenas que precisava! Há muito tempo que não sentia nada de tão intenso. A própria dor perdera há muito essa propriedade.
Desfizera-me em duas, e uma terceira nascia observando essa dualidade. Uma terceira que vislumbrava então a premência das diferenças entre os seus dois clones. A pequena e a grande, a activa e a passiva, a louca e a serena. E era essa terceira quem vinha contar a cada uma de nós o que a outra estava a pensar. Era essa sombra vaga o elo de ligação entre os meus dois pólos. E aquela que eu via estava com a mente em branco, e a que a olhava incorporava seu pensamento. Eu era toda pensamento nesse momento. Olhava a minha parte física, com o olhar parado no túnel em que me encontrava, deixando na minha mão todo o seu destino. Um destino que naquele momento se resumia à busca pela parte que lhe faltava.
Da sombra ecoou uma voz que me trouxe a razão pela qual interrompi essa mesma busca: “Desenterrei tudo o que me fez, em busca de algo que se tornou num instante mais importante que a própria vida.”
Caiu sobre mim o facto de desconhecer completamente a proveniência da importância fulminante que adquirira esse desejo repentino. Não me afectou muito, contudo. Haviam coisas que não tinham sido feitas para serem compreendidas. Coisas como aquela. De alguma forma sabia, dentro de mim, que tinha de o fazer. Algo demasiadamente forte me impelia a isso. Guardava a esperança de que eventualmente me fosse revelada a razão. E mesmo que não fosse, pressentia que o resultado fosse esplendoroso por si só e fizesse com que toda essa busca valesse a pena. ''
MNE01/11